domingo, 27 de maio de 2007

POÊ

Pergunto das crianças na rua Olho para os carros Pergunto dos mendigos na calcada Vejo os saltos que pisam tilintando futilidades ao passar Pergunto da fome Vejo os lixos entupidos de enlatados apodrecidos pelo excesso Pergunto pelas escolas Olho para gente falando a ninguém em frente ao quadro verde pastiche da vida E ainda tento encontrar educação Para a saúde Gente de branco tentando esconder humanidade e em frente gente sofrendo pedindo informação e atenção então Olho para a TV E vejo as crianças emudecidas e os adultos crianças torpes Olho para a janela e vejo a montanha ao longe atrás dela nada nada nada Em que acreditar A não ser em ser algo que não seja isso tudo. Quando morrer quero deixar a flor em flor Quero e exijo que assim seja a humanidade homem e mulher Não dá pra ir sem enxergar o fim dessa explicação sem fim que assola de bagagem repetitiva as nossas costas cansadas de ir sem, para onde não, como infinitivo gerúndio particípio ser, sem nome nas esquinas, perdidos olhares caídos sem chão nem teto nem panela nem amigos e se amigos houver, embebidos na desgraça de não sonhar, nem amar e, se amar, perder o amor desencantado pela roupa suja que não se lava em qualquer bueiro, amar a mulher os filhos, o espelho, quebrado ficou ali no sinal de trânsito. A grana não veio, a mulher se foi e os filhos olham para ele, estúpido sinal que aglomera insanos olhares, corpos encorpados e gente fina que passa e passa e passa e vai passar sempre.

sexta-feira, 2 de março de 2007

De todo humana

Dê-me a permissão para servir-te. Sei que é tua própria casa. Por isso mesmo dê-me a permissão para que fiques à espera no sofá azul que te merece inteira. Não levantes. Servir-te. À tua beleza ali posta sob a medida inexata do tecido perfumado.

De que exalas tal essência transformada em alegria? De que matéria-prima faz tua voz a alegria dos dias à janela? De certo a enfeitas. Em nada precisas acrescentar ao vocabulário, explicar-te tu. Em como falas o encanto sublima-te e esternece. Fazes da alegria uma voz. Dita a voz, calar-se faz conta do que és.

Deixe-me servir-te. Celebrar em casa o que ao olhar foi. Fica uma certeza. E como em qualquer oposto que somos, o oposto disso também. Certeza de que ali encontrou-se o que foi. E no oposto do que a certeza encerra, sobrevive alegria regenerada, engendrando uma mistura de divindade humana.

Imagem

As pernas ainda curtas apanham o ônibus. Na boca a cola alucina e o menino grita chamando no que fica, alguém, e olha pra mim. Nada significo. Estou dentro do ônibus que voa com o menino pendurado. É perigosa a vida do menino. Ele pode cair a qualquer momento, do ônibus que leva o menino e eu. Fico pensando como suportamos viver assim, a imagem do garoto aventura-se na minha frente, não fosse a realidade seria bonito de ver. Era bonito de ver.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Tatuagem





Tenho tantas. Outras. Tenho? Quero ser. Vejo a menina, vejo a mulher. Tenho tatuagem, sabia? Mas não me espete. Fique de longe, sou voraz. Posso ir. Pulando. Quero caminhar, caio. Pulando porque tenho a menina, pulando a corda. Segura aí, vai, não solta pra me ajudar! Preciso de dois, de um lado e do outro lado, lá. Onde ? Não sei. Lembro do mar, como gostava do mar... As montanhas me cercam. Em passos largos que voltam ao não centro percorro várias. Não extremidades não círculos passo paro pulando. Segura aí! Onde pulsa o lugar, aquele que te falei. Tantas vezes.

Faço velhinhas muito simpáticas, com o pano na mão venho tecendo a vida inteira. Assento-as sobre a prateleira, respeitáveis, guardam segredos nos novelos de lã secretos. Resguardo o tempo encontrando o tempo, na mão silenciosa, me resguardo no ato. Da corda que pulei no ritmo infantil vou ao encontro do tecido simples para me lembrar. Do futuro. Que passou. Quantos futuros poderia costurar na chita descompassada da memória? Costuro enfio o fio na agulha fina. Que desafia o buraco um lado de lá que vira boneca. Assento-a junto às amigas, precisam conversar. O sofá está cheio, a casa tem estragos que não tive como reparar. Encontro o lugar da exposição para as bonecas que conversam aparentes amenidades.

Chega de gritaria! Vou gritar como nunca que o silêncio me estarrece de alegria. Não há modelo nem ficção suficientes. Como disse tenho uma tatuagem colocada no seio. Sob a roupa que procura o estilo, se preciso pular é porque inquieta sou. Menina, não suba no ar, você vai cair! Não, mãe, sei pular. Alto. Só preciso de uma corda pra bater o ritmo e de dois que segurem a corda. Vou cortar o ar para quebrar de uma vez por todas o tempo.

Lampejo

Paul Klee, Paesaggio, 1914











E o rosto dela inteira
Piscou
Por trás da janela
Chuvisco
Chamado ligeiro
quase incapturável não fosse sua doçura

O rosto piscou suave no canto
Anunciou-se repleto
longe na tarde alta
quase miragem
aparição

No olho-infância
Gravidade sombra espanto
Lampejo Mãe

Rapaz

Quando encontrar uma palavra
Passagem
Reservo a ele: Rapaz

Guardarei tal qual flor no seio úmido do tempo
Broto do bambu fértil
Olho do mar aberto
A barca navegante

Perdição em água movente
Por sobre sua sobrancelha grossa marrom
A ranger as rugas do meu passatempo alegre, predileto

Enxergarei assim Rapaz
à sua própria imagem
Palavra desvio semelhança
Subterfúgios-oceanos verdes-azuis
Aparentes, infinitos
Meus eus amam por ti

Agora com as alegrias
Amarelas

As conquistas
Vermelhas

As rupturas
Brancas

Os encontros mar
Transparências azuis
Peixes alados incham-se na chuva

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Instante

Paul Klee, Paesaggio 1899







O ambiente era num clube. Havia uma moça, de idade próxima aos 20, sentada em frente ao pai que lia, imutável, o seu jornal. Ela de óculos escuros inquietamente mexia o pescoço ao alcance do que interessasse. Viu o bebê ao longe e sorriu. A criança compreendeu o chamado e sorriu. A moça a procurava. O pai estava alheio a isso.

O clima era cinza, mormaço, ela de roupa o observava disfarçando o pedido. Quase não se mexia. Havia um perigo aterrorizante em se mostrar. Não era entendida nos braços finos, pouco de si exposto no tempo, um lugar conhecidamente seu.

A criança festejava o encontro com os óculos negros fundos da mocinha magra, que parecia uma leitora do mundo. Gostou do seu sorriso direcionado de longe, aberto à distância imprecisa. A moça fazia contato com sua beleza pueril. A memória expandia-se no céu nublado. Barulho pequeno de xícaras servidas na mesa do jantar delirava a lembrança muda.

O pai se levantou. Ela o seguiu, posicionando-se com a bolsa intermediária. A criança pediu atenção. Ela passou. O pai sorriu para a criança e nesse instante a moça já tinha ido embora de tudo ali.